Confira entrevista com monsenhor Manfredo Ramos: "A ressurreição de Cristo e a perspectiva da Salvação"

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Confira a entrevista realizada pela Pastoral da Comunicação com o monsenhor Manfredo Ramos, publicada na edição de março-abril de 2015 do jornal O Mensageiro da Glória, com o tema “A ressurreição de Cristo e a perspectiva da Salvação”. Nesta sexta-feira, dia 6 de abril de 2018, a Paróquia Nossa Senhora da Glória irá comemorar os 61 anos de sacerdócio do Monsenhor, em missa em ação de graças, às 18h30.


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PASCOM


Quem participa da missa dominical das 18h na Paróquia Nossa Senhora da Glória conhece bem a profundidade da homilia do Monsenhor Manfredo Ramos. Filósofo e teólogo, o sacerdote teve toda a sua formação acadêmica na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde concluiu as graduações, mestrados e doutorados em Teologia e em Filosofia, bem como o Pós-Doutorado nesta última. Ele também foi professor e um dos fundadores do Instituto de Ciências Religiosas (ICRE) e do Instituto Teológico-Pastoral do Ceará (ITEP), que se fundiram na Faculdade Católica de Fortaleza, por decreto do MEC de 24 de dezembro de 2009, ainda durante a gestão interina do Monsenhor.


Com 81 anos completos em janeiro – e 33 anos seguidos celebrando na nossa Paróquia – o Monsenhor Manfredo completou 58 anos de ordenação sacerdotal no último dia 6 de abril. Pouco antes de viajar ao Chile, onde apresentaria a segunda edição de sua tese de Filosofia, sobre Ética e Política em Agostinho, ele recebeu a equipe do Mensageiro para falar sobre fé e salvação.

Com a paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele nos presenteia com a remissão de nossos pecados e a perspectiva da salvação. Mas o que é preciso fazer para sermos salvos?


Deus não salva ninguém obrigado. Ele nos criou sem pedir licença, mas não nos salva sem a nossa vontade. O Senhor respeita a criatura dele. Ele nos fez à sua imagem e semelhança, dotados de inteligência, por isso nos dá a liberdade. Toda a natureza criada é determinada para Deus. As plantas, os astros, os animais buscam alcançar inconscientemente aquilo para o qual foram feitos, a sua realização. Deus criador põe, em tudo o que faz, a sua marca, que é uma marca de bondade. Tudo é dirigido para o bem, porque Deus é bom. Mas o homem é chamado por Deus de uma maneira diferente, com liberdade. E se ele não responde com liberdade amorosa, perde o sentido. Quem é que quer um amor obrigado? Como já dizia um pagão chamado Cícero, antes de Cristo, filósofo eclético, “a amizade é divina, eterna e gratuita”. A amizade é expressão primeira do amor. Umas das qualidades imprescindíveis do amor ou da amizade é a gratuidade. No momento em que for interesseiro, perdeu o seu valor. Mas o pobre do homem, ferido pelo pecado, ele quer o bem, quer fazer aquilo que está na marca dele, e não consegue. Por isso que essa perspectiva de salvação deve ser abraçada, deve ser querida. Não sem a graça de Deus. Aqui é que está o mistério.


Mas o que temos que fazer para merecer este grande presente que é a salvação?

Merecer ninguém merece. Nenhum homem. E a única vocação do homem é o céu. Deus criou o homem para si e o homem volta para ele. Grande frase de Santo Agostinho que está nas Confissões: “Criaste-nos para vós e o nosso coração está inquieto até que repouse em vós”. São João e São Paulo nos dão um conselho prático: em vez de se angustiar se você se salva ou não, porque ninguém pode afirmar com certeza objetiva de que adentrará na casa de Deus, ame o seu irmão. Quem ama o próximo de maneira continuada, esteja certo de que Deus está nele. Porque o amor ao próximo é sinal do amor de Deus. Eu não amo o próximo em primeiro lugar para depois amar a Deus. É o contrário, como afirma o segundo mandamento. Porque eu amo a Deus acima de tudo, com toda a minha força, com toda a minha inteligência, com toda a minha vontade – porque eu sou capaz disso, pela graça d’Ele – eu amo o próximo e devo ensinar isso aos meus filhos e netos. É algo que vem de dentro; está inscrito no coração. A fé não precisa ser imposta. Mas isso não tira o valor da tradição, da educação. Uma grande graça que nós temos é ter pai, mãe, avô, avó que nos transmitiram a formação cristã primeira. Mas quando você chegar aos 18 anos, pelo menos, faça uma crítica esclarecida das suas convicções de fé – não uma negação, mas uma crítica esclarecida. Nosso Senhor nos deu a razão para isso. A razão não é cega; nós não somos fundamentalistas. A fé se aprofunda na Sagrada Escritura (a Palavra de Deus), e também na pregação oral da igreja, nos testemunhos. Como diz Santo Agostinho, meu argumento maior de credibilidade da Igreja Católica é ela mesma: esse milagre de uma Igreja espalhada pelo mundo inteiro – tantas culturas, raças e línguas e, no entanto, uma só fé.

E como fortalecer a nossa fé?

A fé é dom de Deus. Quer dizer que a perspectiva de perdão só vem pela fé. Qual a diferença do nosso remorso para o remorso dos ateus? Eles não têm saída. Nós, ao contrário, sabemos que se com sinceridade, em Cristo, nós nos arrependemos – dizem as escrituras – nossos pecados podem até ser vermelhos como carmesim, eles se tornarão brancos como a neve. Deus nos mandou o seu verbo: o seu próprio Filho, não um messias qualquer. Isso nos diviniza – como diz Pedro na primeira Carta – porque Cristo é o nosso irmão, perfeito, o novo Adão, sem pecado. Só ele de fato apaga os pecados, porque é Deus.  Na nossa caminhada, nem pode faltar a razão nem pode faltar a fé. O que é a fé? É o reconhecimento por parte da razão, não sozinha, mas já iluminada pela graça, de que estamos diante de um mistério, que é Deus que se revela.

Então a caridade é imprescindível para a salvação?

Deus diz: “Eu quero misericórdia e não sacrifício. Vocês me cultuam com essas coisas e se esquecem do principal: a viúva, o órfão, o peregrino”. Daí vem o sentido do julgamento último em Mateus 25: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim”. As obras de misericórdia que ele refere são as mais rasteiras, do ponto de vista teológico, são aquelas ditas materiais. Nosso Senhor não está pedindo as obras de misericórdia espirituais, consideradas as mais altas. Ou seja, no juízo final, ele não vai saber das suas teologias, mas vai saber da sua caridade. Se você amou o seu próximo, amou a Ele. E terá a eternidade como prêmio. O que podemos dizer sobre a parusia, a eternidade? O que nos diz São Paulo: nem o coração do homem sentiu, nem o olho viu, nem o ouvido ouviu o que Deus tem preparado para os que o amam. É algo inefável. É a contemplação de Deus mesmo. É uma vitória tão assegurada essa da esperança cristã que a gente deve ter a alegria correspondente. O último argumento que nos convence de que somos filhos de Deus está em Romanos, 8; é o Espírito Santo dentro de nós que clama Abba, Pai (o termo que Nosso Senhor usa para o Pai dele, e nos manda rezar no Pai Nosso). Precisamos ter a consciência de que nós, Igreja, somos a segunda mediação. Nosso Senhor quis que a Sua Igreja desse testemunho dele. Se nós não dermos esse testemunho, como disse São Paulo, quem vai falar dele? Como o mundo vai crer? Mas não podemos ser uma Igreja que não tem caridade, que discrimina tudo, que despreza o pobre, a criança, o aleijado, o drogado, qualquer pecador. O amor ao pobre é por ele, pelo Cristo. Não é apenas dar esmola para ganhar o céu. Mas isso é difícil de entrar no coração. Quando formos capazes disso, então “nas tuas obras da caridade a tua fé brilhará como a luz do meio-dia”, como diz Isaías. Quando você pratica a caridade, a fé se firma sem precisar de tanta discussão dos meus relativismos e fundamentalismos.