Bento XVI: o que há por trás da renúncia

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* Por Dom Redovino Rizzardo , Bispo de Dourados (MS)

“Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim, que preciso reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”.

Foi com essas palavras que, no dia 11 de fevereiro, durante uma reunião com os cardeais da Cúria romana, o Papa Bento XVI anunciou a sua renúncia ao pontificado.

Fazia tempo que ele pensava no assunto. Em 2010, na entrevista que concedeu ao jornalista Peter Seewald, fora claro: «Quando a dificuldade é grande, não se pode fugir e dizer: “Que outro se ocupe disso!”. Mas, se um papa percebe que já não tem condições físicas, mentais e espirituais para levar adiante as obrigações de seu cargo, tem o direito e, em algumas circunstâncias, o dever de se demitir».

Apesar de não ser novidade na Igreja, seu ato provocou perplexidades. A história lembra outros papas que renunciaram ou foram obrigados a fazê-lo: São Clemente (88/97), condenado ao exílio pelo imperador Domiciano, passou o cargo a Santo Evaristo; São Ponciano (230/235), desterrado pelo imperador Severo, deixou o lugar para Santo Antero; São Silvério (536/537) foi deposto e substituído pelo Papa Vigílio; São Martinho (649/655), degredado pelo imperador Constante II, acolheu de coração aberto a nomeação do sucessor, Santo Eugênio. Mais complicado foram os casos de Bento IX (1032/1045) e Gregório VI (1045/1046), forçados a deixar a função por mau comportamento.

O papa, porém, que, de acordo com a “Divina Comédia” de Dante Alighieri, «fez a grande renúncia”, é São Celestino V. Seu pontificado nem chegou a quatro meses: de 29 de agosto a 13 de dezembro de 1294. Sentindo-se pequeno diante dos desafios da política eclesiástica, abandonou o cargo e recolheu-se à vida eremítica. O último papa a abdicar foi Gregório XII (1406/1415). Seu nome está ligado ao “Grande Cisma do Ocidente” (1378/1415), período em que tentaram ocupar o sólio pontifício dois – e, em dado momento, três – papas ao mesmo tempo. Para acabar com o escândalo, ele entregou sua demissão nas mãos de Martinho V (1417/1431).

O gesto de Bento XVI condiz com a sua visão do homem e da Igreja. A idade pesa. O cargo é exigente. A saúde diminui. Reconhecer os próprios limites e desapegar-se do poder é sabedoria e heroísmo. Pode-se servir à Igreja e à humanidade de mil maneiras. Para tanto, o que importa é tomar consciência de que há tempos e ocasiões diferentes, próprias de cada momento e de cada pessoa. Quem ama, sempre descobre o jeito certo de estar presente e atuante, mesmo quando, por qualquer motivo, precisa se retirar e deixar que outros ocupem o lugar que até agora lhe pertencia.

Evidentemente, a renúncia recebeu também outras interpretações, como a de Ferruccio De Bortoli, diretor do jornal italiano “Corriere della Sera”, que a viu como resultado das intrigas que medram no Vaticano: «O ato do Papa foi encorajado pela insensibilidade de uma Cúria que, em vez de confortá-lo e apoiá-lo, apareceu, por diversos de seus expoentes, mais empenhada em jogos de poder e lutas fratricidas». De acordo com o cardeal brasileiro, Dom João Braz de Aviz, «entre os cardeais, há muita fidelidade, mas também tensões. Existem diferentes estilos, personalidades, formas de viver as coisas. Uns querem o diálogo, outros destacam a autoridade». O Pe. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, parece sintetizar a opinião de uns e de outros: «O Papa é uma pessoa de grande realismo e conhece os problemas e as dificuldades. A renúncia foi uma mensagem à Cúria, mas também a todos nós. Foi um ato de humildade, sabedoria e responsabilidade».

Um ato que abre novos horizontes no modo de entender e de gerir a missão do papa na Igreja e que, por isso, fará história.