Monsenhor Camurça: "Gostei de ser padre…"

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Monsenhor André Camurça contava 98 anos bem vividos a seu modo. Manso e firme, conheceu o mundo e, obediente, cumpriu o destino que lhe traçaram até o fim

Das últimas vezes, monsenhor André Camurça (11 de abril de 1913 – 2 de agosto de 2011) contava da vida com benevolência. Entre perdas e aprendizados, o que mais lembrava era: “Bem, eu sempre fui feliz” (“Uma vida de obediência”. O POVO, Páginas Azuis, 23/11/2011). O dizer de mansidão virou herança desde ontem, quando monsenhor Camurça obedeceu, sem resistência, à última determinação da vida. O religioso morreu durante internação no Hospital Cura D´Ars, com a falência múltipla dos órgãos, e foi sepultado no cemitério São João Batista.

 

Sabendo de quase um século, Monsenhor André Camurça já usufruía o bônus da simplicidade. O importante, experimentou se abreviar. Pai e mãe eram saudades há muito. Dos 13 irmãos, só ele havia restado para dar corda no tempo. Resistiu o quanto pôde e enquanto uma das sobrinhas com quem morava lhe ditava o mundo dos jornais e dos livros.

Quase cego e surdo, aos 98 anos, monsenhor André Camurça se deixava levar pelo dia. Ora, deitado na rede, sob a vigília dos santos de devoção nas prateleiras do quarto de dormir. Ora, celebrando a missa cotidiana na Igreja de São Bernardo (Centro), onde era capelão. Ora, dando conselhos aos sobrinhos-netos. E, por vezes, ainda degustando “de tudo um pouco” – como quando visitava a amiga Lúcia Dummar, em tardes de doces de leite e “maria-mole”.

A seu modo (caseiro, “nunca fui de festa”) e à caráter (comumente vestido com a batina preta, “ela impõe respeito”), aproveitou o mundo. Suas crônicas de viagens pela Terra Santa e por muitos outros recantos, a propósito, são parte do acervo do O POVO: entre outubro de 1977 e dezembro de 1996, alternando sábados e domingos, monsenhor Camurça imprimiu sua Palavra da Semana.

 

Uma primeira morte

Narrativas, ele tinha de sobra. Inclusive, a de uma primeira morte – com direito a luto oficial de três dias e à ressurreição. O causo se deu em novembro de 1970, quando jornais da época mataram monsenhor Camurça com um “fulminante ataque cardíaco”. O religioso era, então, Secretário da Educação do governo Plácido Castelo e participava de um seminário em Porto Rico. O desmentido da morte deu-se 24 horas depois da notícia e do susto, por uma “conversa de telex”, como exclamou O POVO de então.

 

Tudo o mais foi viver. Uma vida de obediência, como aceitou de menino. De ouvir a mãe falar que seria padre, aos 12 anos, “no tempo de ir pro seminário, eu fui. Sem resistência”. Até o fim, disse monsenhor ao O POVO, não havia se arrependido de ter brincado menos. “Gostei de ser padre”. E talvez sua longevidade tenha se dado porque ele descobriu, cedo, o fundamental. “Vivi sempre satisfeito, nunca achei ruim, a vida, não!”, resumia-se.

 

 
ENTENDA A NOTÍCIA

Monsenhor André Camurça foi vigário-geral da Arquidiocese de Fortaleza e integrou a Campanha Nacional de Escola da Comunidade (CNEC) e a diretoria do Hospital Cura D’Ars. Estava como capelão da Igreja de São Bernardo.