“Verificar a maturidade dos valores humanos próprios da relação de amizade e de diálogo que caracterizam o noivado (PSM32)”
Pode parecer reducionista demais, mas me atrevo a dizer que se fosse necessário escolher um único tema para ser tratado com um casal que se preparara para contrair o matrimônio, eu escolheria o diálogo.
Mas será que os namorados, noivos e até os casados já não dialogam naturalmente?
Dialogam sim e sobre vários temas como onde pretendem morar, se vão alugar ou construir uma morada, sobre o que fazer no final de semana etc. Alguns casais estão sempre, mas sempre mesmo, conversando. Há aqueles que após passarem o dia inteiro juntos, quando chegam em suas casas, ainda falam por dezenas de minutos pelo telefone. Outros não desgrudam os dedos do celular, com infinitas mensagens onde citam cada passo que vão dar.
Mas meu questionamento é se esse diálogo, ainda que intenso, se aprofunda a ponto de promover conhecimento interior.
Uma reflexão para os noivos que estão nos cursos/encontros de preparação próxima, mas também para todos os casados, noivos ou namorados:
Nos últimos 30 dias, quantas vezes vocês falaram, um para o outro, de seus sentimentos mais interiores? Das inseguranças, temperamentos e até mesmo de dúvidas sobre o próprio relacionamento?
Abrir diálogo nesse caminho significa ajudar na construção do outro e permitir o próprio crescimento. Um casal que caminha para o casamento não pode viver de máscaras, onde um ainda tenta impressionar o outro como se fosse um flerte adolescente, mas deve mostrar sua real humanidade, cheia de falhas e medos. Pensar em manter uma aparência para garantir um relacionamento, assim como pensar em se casar com alguém próximo da perfeição é pura ilusão, ainda vivida por muitas pessoas. Ninguém deve ter medo de perder o(a) noivo(a) ao descortinar sua estrutura interior. Se houver amor (em nosso último artigo – Zenit – 18 de Outubro – comentamos que amor também implica compromisso e uso da razão), o conhecimento interior será propulsor para a jornada de compreensão e trabalho para o crescimento e santificação do outro, que é ensaiada durante o noivado, mas se estabelece na celebração do Matrimônio.
Os noivos precisam ser, literalmente, chacoalhados para abrirem os olhos e perceberem que a única situação que se fará presente até que a morte os separe é o diálogo ou a comunicação entre eles (que existe mesmo sem palavras). Praticamente tudo o que “curtem” enquanto noivos e no início do casamento pode não durar muito tempo. As festas que frequentam, as viagens, o dinheiro, o status, o vigor físico e tantas outras coisas não possuem nenhuma garantia de continuidade. Contudo, no altar vão assumir o Matrimônio “até que a morte os separem”.
Será isso que estamos assistindo ao nosso redor? Quantos casais se separam ao enfrentarem problemas financeiros! E ao encontrarem dificuldades e restrições ligadas à vida sexual!
Alguns casais, com muitos anos de casamento vividos na correria do “fazer isso e resolver aquilo” se estranham quando os filhos crescem e saem de casa para estudarem ou casarem. No momento em que não mais têm tanto a fazer, olham um para o outro e já não se conhecem. Não construíram o diálogo, desenvolveram suas estruturas interiores de modo individualista e encontram muitas dificuldades de se abrir e se transformar. Escondem-se atrás de justificativas como “ele casou comigo, sabe que sou assim e agora não vou mudar!” O resultado disso? Olhe para o crescente número de separações de casais maduros.
Até o famoso filósofo alemão Nietzche (1900-1944), existencialista, recomendava que ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?
E para dialogar com “prazer”, sentir-se à vontade e feliz ao lado do cônjuge, o relacionamento deve ser baseado no diálogo sincero, assim como as melhores amizades. Amizade? Mas não estamos falando de casamento?
Sim, amizade! Uma dimensão muito importante do matrimônio, que é criada pelo diálogo profundo, é a amizade entre os cônjuges. Isso não significa esquecer as outras amizades, mas valorizar de modo especial essa amizade que deve superar todas as outras.
Note que o documento Preparação para o Sacramento do Matrimônio expressa que “Parece oportuno que, durante a preparação próxima, seja dada a possibilidade de verificar a maturidade dos valores humanos próprios da relação de amizade e de diálogo que caracterizam o noivado.” (PSM32) Estratégias diversas podem ser empenhadas, mas os grupos de preparação de noivos não podem deixar de provocar reflexão sobre o diálogo que alimenta a amizade, aquele que é a base do amor e leva os cônjuges a doarem a vida, um pelo outro, “como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela.” (Ef 5,25)
Os noivos precisam ter convicção de que, além de promover a amizade e alimentar o amor, o diálogo resolve conflitos e também evita que eles surjam. Mas precisam exercitar, com disposição para escutar e coragem para conversar como quem está interessado em buscar soluções, não em acusar.
Contudo não podem, em momento algum, pensarem que são capazes de realizar toda esta empreitada por conta própria. Dialogar e construir uma relação de harmonia exige esforço, mas seria em vão sem a misericórdia divina. Papa Francisco, na homilia da missa de encerramento da Jornada da Famílias (27/10/13) nos ensina que “só Deus sabe criar a harmonia a partir das diferenças. Se falta o amor de Deus, a família também perde a harmonia, prevalecem os individualismos, se apaga a alegria”.
Paz e bem!
André Parreira (alparreira@gmail.com), da diocese de São João del-Rei-MG, é autor de livros sobre a preparação para o matrimônio e responsável no Brasil pelo DVD “Sim, Aceito!”, lançado em parceria com a Pastoral Familiar da CNBB. Empresário, casado e pai de 6 filhos, colabora na formação de jovens e casais.