Artigo: As Diretrizes da igreja no Brasil (I)

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* Por Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, Arcebispo de Sorocaba – SP

Igreja em estado permanente de missão

Neste ano de 2012 a Igreja de Sorocaba, – todos nós – estará assimilando as novas Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. As Diretrizes querem traduzir para nós o Objetivo Geral da ação da Igreja: EVANGELIZAR. “Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade” (EN 14). Mas…o que significa evangelizar? Adverte-nos Paulo VI: “Nenhuma definição parcial e fragmentária, porém, chegará a dar a razão da realidade rica, complexa e dinâmica que é a evangelização, a não ser com o risco de a empobrecer e até mesmo de a mutilar. E impossível captá-la se não se procurar abranger com uma visão de conjunto todos os seus elementos essenciais”(EN 17). As novas Diretrizes traduziram com rara felicidade o que significa evangelizar e procuraram situar o processo evangelizador no contexto sócio-cultural de nosso tempo, caracterizado como “mudança de época”. A mudança de época urge que a Igreja assuma com renovado ardor a missão que lhe dá sua identidade profunda: evangelizar.

Donde a primeira urgência: “Igreja em estado permanente de missão”. A palavra chave da missão é “IDE”. A Igreja faz seu caminho na história evangelizando. Nos evangelhos de Mateus e de Marcos a missão é dada com o verbo “ir” no particípio presente (poreutentes), o que significa que o estar em missão é a forma da Igreja ser no mundo. Ela só é a Igreja de Cristo na medida em que percorre os caminhos dos seres humanos, “discipulando”(Mt 28,19). O “IDE”, hoje, pede, muito mais que deslocamentos geográficos, deslocamentos ambientais e culturais. Com a progressiva desconstrução da Cristandade o espaço social se tornou pluricultural, com forte acento secularizante, caracterizado ainda por um exacerbado individualismo consumista. As novas gerações já não respiram no seu dia a dia os valores que impregnavam a cultura medieval e pós-medieval e, nas famílias, o hábito da oração – a reza do terço, por ex.- cedeu espaço para os programas de TV.

A Internet se tornou a praça pública de todas as opiniões para satisfazer todos os gostos.  Nas escolas, em nome da laicidade do estado, a dimensão religiosa do ser humano é deixada de lado. Da Europa pós-cristã sopra um impetuoso vento de indiferença quando não de hostilidade ao cristianismo no qual sua história finca suas raízes. Esse ar é respirado em nossos ambientes “cultos” e quer varrer das instituições sociais, não apenas os símbolos cristãos, mas, sobretudo os valores que eles representam. Nessas condições uma não pequena porção de batizados na Igreja vai progressivamente experimentando um esvaziamento de sua identidade cristã-católica, herdada de seus pais. Muitos, perdidos em meio aos problemas sociais e à confusão cultural, procuram salvação nas muitas “igrejas” que, valendo-se da fragilidade emocional própria de épocas de crise, promete às pessoas resposta rápida para situações de desespero. Outros correm atrás das promessas de prosperidade material e/ou de solução de situações de conflito afetivo que, em uma interpretação mutilada do evangelho, lhes é oferecida. Nossos templos são frequentados por uma porcentagem relativamente pequena dos que se declaram oficialmente católicos. Nossa catequese atinge apenas aqueles que ainda procuram a Igreja para batizados, primeira comunhão e casamento. Nessas condições, por predominar uma motivação cultural na busca dos sacramentos, a catequese oferecida não consegue plasmar a vida desses católicos. Falta-lhes a experiência do encontro pessoal com Cristo, base do edifício espiritual que deve caracterizar o discípulo de Jesus. Volta-nos ao coração a lancinante pergunta de Paulo VI na Evangelii Nuntiandi”: “O que é que é feito, em nossos dias, daquela energia escondida da Boa Nova, suscetível de impressionar profundamente a consciência dos homens? Até que ponto e como é que essa força evangélica está em condições de transformar verdadeiramente o homem deste nosso século? Quais os métodos que hão de ser seguidos para proclamar o Evangelho de modo a que a sua potência possa ser eficaz?”(EN 4). O que significa o “IDE” quando estamos misturados uns com os outros em um espaço “heterogeneizado” por valores tão diversos quando não excludentes? O cristão está ao lado do outro que não crê e que já não sabe mais o que significa sua fé para sua vida e para a vida das pessoas com quem vive.

O que significa ir até essa pessoa, até esse universo cultural diverso do meu, no qual estão ausentes os valores do evangelho da salvação? Como chegar ao coração do outro para ouvir aquilo que o faz pulsar, qual sua aspiração profunda e poder então anunciar-lhe Jesus Cristo? “IDE” significa então sair do próprio mundo para escutar o outro, solidarizar-se com ele e sensibilizá-lo no amor para a proposta do evangelho. Isto se faz pelo testemunho de solidariedade e pelo empenho em servir e procurar o bem da comunidade na qual se vive. Mas quem está disposto a ir, a sair de si, para entrar com amor no universo do outro? (continua).