* Dom Redovino Rizzardo, Bispo de Dourados
Às 8,30 horas do domingo, dia 26 de dezembro de 2010, liguei o televisor e, durante dez minutos, assisti à pregação do “Apóstolo” Valdemiro Santiago. Em dado momento do culto – se é que assim se podem chamar as suas pregações –, confesso que teria entrado em crise se a minha fé não se fundamentasse na Palavra de Deus.
Ele insistia nos milagres que, a toda hora e todos os dias, acontecem na Igreja Mundial do Poder de Deus, por ele fundada, dirigida e tida como a encarnação atualizada do taumaturgo Jesus, cujos prodígios são assim apresentados pelo Evangelho: «Os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem e os mortos ressuscitam» (Mt 11,5).
Em seu arrazoado, ele se expressou mais ou menos assim (esqueço as palavras exatas): «Enquanto que, em nossa Igreja, os milagres estão na ordem do dia, numa outra eles são tão raros que, quando acontecem, mexem com meio mundo e se tornam objeto de estudo e de dúvidas. Dizem, por exemplo, que uma freira lá da Bahia fez um milagre e meio… Não sei o que isso significa! Eles precisam do milagre para declará-la santa, esquecendo que o único santo é Deus, o Todo-poderoso!».
Como se sabe, a freira a que o “Apóstolo” se refere é a Ir. Dulce, que será beatificada no dia 22 de maio deste ano.
Eu disse acima que o Valdemiro quase me colocou em crise… É que fiquei pensando comigo mesmo: se realmente os milagres estão na ordem do dia na Igreja Mundial, não será porque a fé esmoreceu nas demais Igrejas cristãs (e não apenas na Católica, na Ortodoxa, na Anglicana e nas assim ditas “tradicionais”)? Mas, é verdade que os milagres não acontecem nessas Igrejas?
Para começo de conversa, é necessário entender corretamente o milagre. Para um número considerável de fundadores de denominações mais ou menos cristãs, que surgem diariamente em toda a parte, ele se resume à cura de uma doença ou à prosperidade econômica. Estes, aliás, parecem ser os motivos principais, senão únicos, do nascimento dessas “Igrejas” e da grande influência que exercem: ir ao encontro do desejo e das necessidades das massas, que é fugir do sofrimento e gozar de uma vida tranquila e confortável.
Para a fé cristã, porém, o milagre vai mais além. O que ele oferece é o encontro profundo e renovador com um Deus que, por ser amor, nada mais quer senão a “saúde” de seus filhos, mesmo se, por motivos diversos, nem sempre seja possível fugir de todas as enfermidades. Em outras palavras, pode-se ser sadio num corpo doente. É este o maior de todos os milagres! Quem o disse foi o próprio Jesus: «Para que se saiba que o Filho do Homem tem poder para perdoar pecados (disse ao paralítico), levanta-te, toma o teu leito e vai para casa!» (Mt 9,6).
O caminho mais fácil e rápido para se chegar ao ateísmo passa por uma religião sustentada e buscada por interesses humanos. Deus deixa de ser a realização plena da pessoa humana para se tornar um quebra-galho, cuja única tarefa é impedir que seus filhos passem por males e sofrimentos. Mas, à medida que a ciência avança e resolve os problemas que antigamente cabia a Deus solucionar, avança também o materialismo.
As doenças e dores fazem parte da vida de todos, sobretudo dos que lutam para construir um mundo melhor. Até Jesus, «apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos. Mas, ao alcançar a perfeição, tornou-se fonte de salvação eterna para todos aqueles que lhe obedecem» (Hb 5,8-9).
O grande milagre oferecido por Jesus a quantos desejam ser felizes é a graça de transformar a dor em doação, o ódio em amor, a morte em ressurreição. É este o principal fruto produzido pela Páscoa. Graças a ela, cada sofrimento – físico, psíquico, moral e espiritual – contém uma semente de renovação interior e social. A única condição é que se aprenda a amar: «Para os que amam a Deus, tudo colabora para o seu bem» (Rm 8,28).
Contudo, não é preciso ser masoquista ou sadista para não dar o braço a torcer e ter que acreditar em milagres. Eles existem a toda hora e em toda a parte para quem sabe que Deus é Pai e «lança nele todas as preocupações, feliz por ser objeto de seu carinho» (1Pd 5,7).