Entevista com Pe. Cristovam Iubel: "A partilha espiritualiza os bens"

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A nossa comunidade vivenciou, de 2 a 6 de setembro, a Semana do Dízimo. Um momento muito forte e propício, já que estamos no mês da Bíblia e o dízimo é bíblico. Confira a entrevista que a equipe d’O Mensageiro fez com o Pe. Cistovam Iubel, por ocasião da Semana do Dízimo:

A nossa comunidade está vivenciando a Semana do Dízimo. Um momento muito forte e propício, já que estamos no mês da Bíblia e o dízimo é bíblico. Como foi a sua experiência com o dízimo? De forma isto lhe despertou para ser também um missionário da partilha?

Essa experiência tem 30 anos na minha vida. A minha Diocese precisou conhecer o dízimo para implantá-lo e o Bispo me escolheu para isto. Eu comecei a me interessar pelo assunto e me encantei. Não só aprendi, como também me tornei dizimista. Então hoje eu trago muito mais uma experiência de vida minha do que aquilo que eu li ou escrevi. O dízimo, para mim, é uma convicção de vida. A minha experiência com o dízimo é muito bonita porque eu, de início, resisti. Eu pensava: “Mas eu posso dar uma oferta… Não precisa ser pelo dízimo”. Mas apesar das dificuldades, eu fiz a experiência e, com o tempo, fui entendo. Hoje eu faço questão de partilhar aquilo que eu aprendi com a vida. Eu já sou padre há 27 anos e penso que, até onde eu puder, eu vou dar esse testemunho e falar desse assunto para as pessoas. É claro que junto com o dízimo surgem outros assuntos. Mas eu faço questão de trabalhar com o dízimo porque poucas pessoas fazem isso e como para mim foi uma experiência marcante, eu faço questão de partilhar.

Qual a principal resistência percebida pelo senhor no trabalha com as comunidades? Por que as pessoas resistem ao dízimo?


Em grande parte porque as pessoas não sabem o que é feito com o dinheiro do dízimo. Muitas perguntam: “O que se faz o que com esse dinheiro?” Elas não conseguem perceber, mesmo indo à Igreja todo domingo, o quanto é investido na manutenção do templo e na ação pastoral, por exemplo. Então quando uma prestação de contas é feita e as pessoas compreendem, vêem que tem sentido participar. Isso significa que nós ainda não prestamos contas de forma suficientemente clara na Igreja do Brasil. Então essa é uma das resistências. E a segunda, eu acredito, é que por muito tempo o dinheiro na Igreja era entregue na mão do padre. Era o padre que recebia o dinheiro. Então quem não está participando do dia a dia da comunidade acha que a aquele dinheiro vai para o padre. Não entendem o dízimo como uma forma de evangelizar, mas como uma forma apenas de sustentar o padre na paróquia. Só que não é isso. Na verdade, o padre recebe uma quantia fixa; não depende do menor ou maior volume do dízimo. Hoje os padres recebem em média, no Brasil, entre três e quatro salários mínimos, e com este valor devem cuidar de tudo o que diz respeito à vida deles, como plano de saúde etc.

Vivendo em comunidade a gente acaba tomando conhecimento de muitos testemunhos bonitos sobre o dízimo, pessoas que fizeram essa experiência de fé e colheram frutos. O que a gente poderia destacar quanto a esses frutos?


De modo todo especial, sentir o gosto que tem a vida. Uma pessoa não vai ficar milionária porque é dizimista, mas ela vai sentir a vida de uma forma única. O desprendimento faz isso. Mesmo se tirássemos a fé do dízimo e ficasse apenas o aspecto da partilha humana, ela já traria muitos benefícios. Acrescentando a fé, traz ainda mais graças. O dízimo me ajuda na medida em que eu sinto que estou fazendo algo de bom porque estou partilhando. Isso é recompensador. Pela fé, eu entendo que ao partilhar os bens que tenho eu estou ajudando a evangelizar. Então com o dízimo eu participo, por exemplo, das missões, quando eu possibilito que aquele missionário que está na África e que eu nunca vi evangelize aquele povo. Isto porque uma parte do dízimo vai para a dimensão missionária. Então o fato de saber que estou participando por meio dos meus bens, do meu trabalho, traz uma alegria interior muito grande. Mas para compreender isso é necessário a fé. Então o dízimo tem uma série de recompensas: a alegria da partilha, a abertura de coração, o desprendimento dos bens materiais… Isso não quer dizer que eu devo passar necessidade. Pelo contrário; eu devo viver uma vida boa, de qualidade. Mas isso não quer dizer que eu não possa partilhar. A partilha dá uma espiritualidade aos bens que eu tenho. Eu digo a mim mesmo: “Eu tenho os bens, mas não são só meus. Eu reconheço que são de Deus também e que partilho com os outros por meio do dízimo”.

Nunca é pouco falar das três dimensões do dízimo. Eu gostaria que o senhor apontasse cada uma delas.

São três dimensões – entendendo dimensão como finalidade. Então a dimensão religiosa diz respeito ao culto. Tudo aquilo que se reza e se ensina: catequese, cursos, encontros. O dízimo atende a toda essa organização de evangelização da Igreja. Pela segunda dimensão, a social, nós pensamos nos mais pobres, de modo especial as urgências. Então atendemos aqueles que são os últimos; nós partilhamos com o Estado esse compromisso de ajudar as pessoas que não têm nada ou que estão num momento difícil. E com a terceira dimensão, a missionária, eu vou levar o evangelho por meio de outras pessoas, que estão fora da Diocese, fora do País, fora do continente. Eu participo da vida dessas pessoas ajudando-as na missão, porque todas elas geralmente estão em países pobres e não têm como se sustentar ou custear as obras de promoção humana nestes locais. Então as três dimensões do dízimo fazem com que o dízimo não fique apenas na comunidade, senão é até perigoso a comunidade começar a ter bens e achar que vale pelos bens que tem. Isto é para ela nunca esquecer que assim como ela recebe de graça, de graça ela deve partilhar, com os mais pobres e também com as missões.

E num mundo em que nós vivemos, que tem muito a questão do individualismo, do acúmulo de bens, diante da fome e da pobreza extrema, mais do que nunca nós precisamos de cristãos comprometidos com a partilha e com o dízimo?

Sim. Nós vivemos um período muito forte, nos últimos anos, com o que passou a se chamar de subjetivismo. Ou seja, cada um, a partir do seu interior, cuida de si mesmo. Isso leva ao individualismo. Eu cuido de mim, cada um cuida de si, não tenho nada a ver com os outros. Só que as pessoas perceberam que não são felizes vivendo assim. Então há cada vez mais pessoas percebendo que doar traz alegria, traz felicidade, traz uma experiência boa de vida. Os grandes bilionários do mundo hoje estão praticamente entregando boa parte de suas fortunas para ser partilhado entre os mais pobres, porque eles perceberam que a realização pelo que fizeram valeu a pena; e há tantos bens que eles nem têm o que fazer com eles. É uma gratificação porque eu percebo que assim como eu trabalhei, conquistei, o fato de partilhar me dá aquela sensação – que é verdadeira – de que eu estou partilhando com o outro o que eu tenho e ele não tem, a chance que eu tive e que o outro não teve. Isso traz uma alegria interior muito grande. Custa sacrifício o dar, o oferecer; mas tendo oferecido, o resultado é magnífico, é maravilhoso. Eu me sinto muito bem porque fui capaz de partilhar.