Pe. José Carlos Miranda Moura, novo vigário paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Glória, foi transferido para a nossa comunidade no início da Festa da Padroeira 2023. Aos 32 anos, o jovem padre aceitou o convite da Pastoral da Comunicação (Pascom) para conceder a sua primeira entrevista ao jornal O Mensageiro da Glória no início de setembro.
Nascido em Fortaleza, no dia 19 de março de 1991, Pe. José Carlos é o sétimo de oito filhos de Francisca Miranda Moura e Francisco Moura. Foi consagrado a São José por sua mãe, ao saber que nasceria em seu dia. Os primeiros traços de vocação vieram aos doze anos de idade, quando, depois de ter vivido uma experiência na igreja protestante, foi à missa por convite de amigos de infância.
Confira a entrevista:
1. Como foi a sua infância? O senhor vem de uma família católica? Enfim, quem lhe apresentou Deus, que lhe colocou a semente da fé em seu coração?
Primeiro, gostaria de agradecer, pois essa entrevista é uma forma de acolhimento. A minha infância foi bastante tranquila. Quem me apresentou Deus foi minha mãe. Eu nasci em um lar em que a minha mãe era bastante católica, mas por algumas questões ela deixou de frequentar a igreja no início da minha adolescência. A minha mãe ela teve meu irmão mais nova era quase idosa (risos), tinha 46 anos, e ela também criava o meu sobrinho, filho do meu irmão mais velho. Então ela tinha essas duas crianças com apenas um ano de diferença para cuidar. Ela deixou de ir à igreja porque era um contexto bem complicado para ela ir sozinha, pois meu pai não frequentava.
Então da minha infância eu me lembro de ocasiões muito específicas em que minha mãe me falava de Deus mesmo sem palavras. Eu a via de manhã cedo diante da imagem de nossa Senhora de Fátima (ela sempre teve um altar com uma imagem grande de Nossa senhora de Fátima e outros santos também). Então eu a via lá de manhã rezando, se consagrando a Nossa Senhora, e via também algumas vezes durante a tarde e às vezes à noite. Ela sempre foi dona de casa, nunca trabalhou fora. Mas algo que me marcou muito também era que minha mãe era muito devota de São Francisco e a paróquia onde a gente morava, que era área pastoral, hoje é Paróquia São Francisco de Assis. E às vezes eu estava na rua e das poucas vezes que ela me chamou para irmos à igreja juntos era para as procissões de São Francisco – da Igreja de São José até a igreja de são Francisco, no Canindezinho. Eu achava muito bonito porque mesmo não frequentando muito ela não perdia o fervor. Ela rezava, ela cantava os hinos, e aquilo era plantado no meu coração.
Mas quando eu tinha ali por volta de dez anos, um dos meus irmãos me levou para a igreja protestante. Eu fui e gostei bastante, por causa da música (eu não sou músico profissional, mas gosto muito de música, gosto de cantar) então eu me engajei por um tempo ali. Mas eu era um adolescente muito sapeca. Eu tinha outro irmão (nós somos oito) e tem um em especial que ele gostava de mim, mas a gente brigava muito. E esse irmão mais velho que me levava à igreja dizia: “olha, você está dando testemunho ruim dentro da nossa família. Eu não vou lhe levar mais à igreja”. Aí eu não mudei, era um adolescente, nem sabia o que era mau testemunho. Então chegou o dia em que ele disse que não me levaria mais. Ai eu disse: “ai é? Pois só de mau eu vou fazer o catecismo!”. E fui fazer. Pedi à minha mãe para me matricular, ela ficou morta de feliz. E chegando na sala do catecismo eu deixei de frequentar logo pois eu era mais velho. As crianças tinham oito anos e eu tinha por volta de onze, doze anos – mas eu continuei frequentando o grupo de oração. Chamava-se discipulado de Jesus Cristo, lá no Canindezinho. E lá eu era muito, muito curioso, ficava perguntando sobre a doutrina da igreja. Foi quando eu tive uma grande experiência com Deus, percebi que Deus me amava, me apaixonei pela doutrina da igreja e comecei a estudar a bíblia, a igreja (sempre fui muito curioso em relação a conhecimento).
2. como foi o chamado para o sacerdócio, o despertar para a vocação?
Não foi um dia específico, foi um processo. Eu sempre fui muito racional nas minhas questões – hoje estou melhor. Dentro desse grupo de oração eu comecei a frequentar as missas com mais consciência, porque antes eu ia por causa de amigos, porque depois a gente ia comer pastel, essas coisas de jovem, né? Eu comecei a frequentar as missas mais consciente – tinha ainda a cabeça infantil, de doze anos, mas quando eu fui para uma primeira formação sobre a missa, quando me disseram que pelas mãos do padre o pão e o vinho de transformam em corpo e sangue, eu fiquei tremendamente curioso. A minha razão não queria aceitar. Eu comecei a ir pra missa e olhar muito a hora do ofertório – ensinaram que era nessa hora que o padre rezava eu ficava olhando pra ver se saía alguma coisa das mãos dele (risos), não via sair nada e ficava pensando como isso acontecia, e vinha a definição de milagre. E milagre calava um pouco meu coração, porque eu sempre tive fé, mas era bem racional.
Eu tive acesso ao estilo de vida dos pastores, porque eu frequentei lá; era uma igreja grande, eu cantava lá algumas vezes, e eu via que o pastor tinha a sua família, tinha o seu emprego, tinha os seus filhos. Era como se o pastoreio fosse algo a mais na vida dos pastores. E eu não sabia que a vida do padre era diferente. Eu sabia que o padre não tinha família, mas eu pensei que ele tivesse um emprego, uma vida alternativa. E quando me disseram que o padre não tem, que o padre tomava como esposa a igreja toda e se dedicava a ela, e uma moça do grupo de oração dizia até o seguinte: “o padre ele é todo de Deus”. Eu tinha entre doze e treze anos, mais ou menos. Eu disse o seguinte: “se um dia Deus me chamar para ser pregador da Palavra ou alguma missão importante, eu quero ser todo de Deus, igual a um padre”. Eu lembro como se fosse hoje essa cena lá numa pracinha do Canindezinho. Eu sentia no meu coração a exclusividade do serviço.
Eu sabia que não ia ser padre com 13 anos, então eu comecei a viver minha vida, tive muitas namoradas (namorei até um bocadinho). Eu tinha o sonho de trilhar a carreira acadêmica na área de psicologia. Era algo que me encantou desde cedo – era o meu sonho principal que Deus não me permitiu realizar, mas realizou de outra forma. Quando eu tinha por volta de 19 anos, que foi quando Deus bateu o martelo realmente, eu estava morando na cidade de Pacoti. Não era oficial, mas eu atuava como se fosse um missionário daquele grupo de oração, eu fazia parte da evangelização dos jovens. Lá eu trabalhei e continuei meus estudos. E aí a ultima moça que eu namorei antes de entrar no seminário, eu comecei a sentir no meu coração aquela incompletude do início da vida de adulto. Eu não me sentia inteiro. Tinha bons sentimentos por ela, era uma moça maravilhosa, nós tínhamos planos, inclusive, mas todas as vezes que a gente fazia um tipo de plano eu não sentia no meu coração uma inteireza, achava que não era aquilo. E eu comecei a ficar mais atento a esse sentimento. Comecei a partilhar com os padres mais próximos – na época era o padre Mascarenhas. Falei que estava sentindo isso, me confessava, partilhava.
Uma vez eu me lembro que estava em casa, no horário do almoço, me balançando numa rede – não tem como esquecer desse dia – e eu falava assim: “eu quero ser feliz, mas eu não quero ser feliz só, eu quero fazer feliz todo mundo que estiver perto de mim”. Aí eu perguntei para Deus: como é que eu vou fazer isso? Aí veio na minha mente todos esses sentimentos, todas essas lembranças de quando eu era adolescente e ficava reparando na missa. E eu percebi que talvez Deus quisesse fazer na minha vida um milagre. Ser padre é um grande milagre. Deus toca na nossa carne pecadora e nos faz nessa terra fazer as vezes de Jesus e trazer o próprio Jesus à terra, através da santa missa. Nesse dia foi quando eu senti de fato: “eu acho que Deus me quer como padre”. Fui buscar os meios necessários. Terminei o namoro. Nesse espaço de tempo a minha mãe faleceu… Eu trabalhava em Pacoti e ela continuava morando em fortaleza. Eu tinha programado umas folgas e ia passar três dias em casa. Eu ia voltar pra Fortaleza e dizer pra ela. A opinião dela e do meu pai seriam muito importantes. Mais dela, principalmente, pois ela sempre foi muito católica. Mas não consegui. Ela está sabendo agora porque está no céu, mas não tive a oportunidade de dizer a ela como eu queria ter dito e escutar da boca dela o que ela sentiria.
E a morte da minha mãe, como toda morte, foi algo bastante doloroso, mas foi onde eu tive uma das minhas maiores experiências com Deus que eu tive na vida. Hoje eu tenho outro olhar sobre a morte, sob outra perspectiva.
3. É possível compartilhar essa experiência?
Eu tinha 18 anos. Eu dizia para Deus que estava prestes a tomar uma decisão. Eu dizia sem revolta: “eu estava prestes a tomar uma decisão que ia mudar totalmente o rumo da minha vida, e que a opinião da minha mãe seria muito importante“… Eu dizia tudo isso olhando para o caixão, no velório. E eu contemplava, olhava minha mãe ali, e sentia que Deus falava comigo, no meu coração, como se Ele me perguntasse: qual era o presente que eu gostaria de dar à minha mãe? E eu comecei a pensar nos sonhos dela: um deles era reformar a casa. Mas era como se nada desses sonhos estivesse à altura do amor que eu sentia por ela. E eu dizia: “meu Deus, nesse mundo natural, não tem nada que esteja à altura do que ela mereça”. Aí Deus disse assim (poderosamente falando ao meu coração): “existe uma coisa que está à altura de quem a gente ama: chama-se céu. O céu está à altura do amor. Quando a gente ama, a gente quer o melhor para quem a gente ama, ainda que o melhor seja não estar perto de mim”.
Eu comecei a perceber que a morte, pra quem fica, é uma espécie de prova de amor, porque você aceita que quem você tanto ama vá porque perto de Deus está melhor do que se estivesse perto de você, mesmo amando o quanto você ama. Aí eu sentia uma outra pergunta: “você pode dar o céu para a sua mãe?” Eu dizia: “não, não posso”. E Deus disse: “mas eu posso. Por isso, hoje é dia de louvar”. O louvor, como eu costumo dizer, quebra todo tipo de barreiras. Louvar a Deus quebra as barreiras. Mesmo que a gente louve pelas brechas, quando a realidade só mostra a desgraça, quando a gente louva a Deus, mesmo pelas brechas, o louvor começa a quebrar as barreiras. E Deus disse: “hoje é dia de louvar, porque Deus dá à pessoa que a gente ama aquilo que a gente jamais poderia dar, que é a felicidade sem fim”. Eu começava a lembrar da minha mãe sorrindo, da minha mãe feliz, dela dançando com o meu pai com a cerveja na mão, quando a gente se reunia, e era como se Deus dissesse que toda essa felicidade, na chegada ao céu, esse sorriso é muito mais largo, a alegria é muito mais profunda, a dança é muito mais animada, é como se Deus maximizasse na minha consciência que a morte não é o momento da tragédia, mas do encontro com o fundamento da existência do ser humano. É como se nesse instante eu tivesse a graça de perceber que a minha mãe foi, na verdade, encontrar-se com aquele que ela tanto amou e é justo depois de tanto amar, depois de fazer tudo o que fez por nós, é mais do que justo que aqueles que nós tanto amamos descansem nos braços de Deus.
4. Agora queremos saber por onde andou o padre José Carlos?
Como eu sou padre apenas um ano e meio, eu andei por poucos lugares. Eu gosto de lembrar desde que eu entrei no seminário. Eu passei por paróquias maravilhosas e por padres também que foram grandes sinais de Deus e que me ensinaram bastante.
Em 2013, quando entrei no seminário, eu estive na Paróquia Santo Antônio, no Planalto Pici, com o Pe. Carlos Tamboril. Em 2014 e 2015 eu estive no Tabapuá com o Pe. Josemar Pires, à época. E depois fui para o Alto Alegre, que fica em Messejana, com o Pe. Abel Jackson. De lá fui para Croatá, com o Pe. Douglas. Isso em 2017. em 2018 e 2019 vim para o Montese, com o Pe. Carlos Tamboril de novo, que foi transferido do Pici para lá. E de lá terminei o 4º ano de Teologia e comecei o que chamamos Tempo de Síntese, uma espécie de estágio onde a gente vai para uma paróquia, mas vai já morar lá. As experiências anteriores aconteciam somente no final de semana. A gente passava a semana no seminário e aos fins de semana ia para as paróquias, acompanhava as missas, dava formações, acompanhava uma pastoral, e terminado o ano de 2019 a gente vai morar como seminarista ainda numa paróquia e se prepara por dois anos para a ordenação.
Ao final de 2020 eu me ordenei diácono e estava na Paróquia Bom Jesus dos Navegantes, em Parajuru. É a ultima paróquia da Arquidiocese no litoral Leste. E lá eu cheguei como seminarista e fiquei até a ordenação diaconal. Passei um ano como diáciono lá e quando fui ordenado padre em dezembro de 2021, vim para Fortaleza, para a Paróquia Santa Paula Frassinetti, e fiquei lá um ano e meio. E agora, em julho de 2023, fui transferido para a Paróquia Nossa Senhora da Glória. Então, depois de padre, só estive em duas paróquias, e foram experiências incríveis mesmo. Cada experiência foi uma mais incrível que a outra. Os que estavam aqui na missa de apresentação viram que a Paróquia de Santa Paula é muito calorosa, muito viva, de um povo muito caloroso, e eles estavam aqui em peso. Foram cinco onibus que eles trouxeram cheios, muita gente com seus carros particulares. Eles vieram com coração triste porque vieram me deixar, mas felizes porque entendem que a missão continua.
5. O senhor chegou bem no período da Festa da Padroeira 2023, e como o senhor se sentiu acolhido pela nossa comunidade?
Foi uma experiência grandiosa. Eu estava até dizendo para uns amigos padres que eu nunca tinha me sentido tão amado. É a primeira vez que eu sou transferido como padre. De Parajuru para Fortaleza também foi muito tocante; todas foram muito tocantes. Eu nunca me senti tão amado. Foi uma chuva de mensagens que eu só consegui responder dois dias depois. Era o pessoal de lá se despedindo e o pessoal daqui me acolhendo. Quando divulgaram nas redes sociais, eu recebi muitas mensagens do pessoal daqui também, dizendo que já estavam rezando por mim, que não viam a hora de chegar, porque aqui é uma missão grande, está precisando de mais padres. E ver a proporção da festa… eu cheguei uma semana antes e já estava rezando algumas missas, atendendo confissões. Atendi confissões durante a festa. Então ver o tamanho da festa, a proporção, alegrou muito o meu coração ver uma paróquia viva.
6. Que mensagem o senhor gostaria de deixar para a nossa comunidade?
Desde que eu fui ordenado eu sempre trazia no meu coração e trago, até hoje, que o meu ministério é para ajudar as pessoas a encontrarem a Deus e buscarem o céu. eu acho que isso é a missão da igreja. A igreja tem a razão de ser nesse fundamento.
Nós precisamos fazer com que as pessoas se apaixonem pela santidade, e que elas busquem a vida em Deus e desejem ardorosamente a busca pelo céu. Então essa é a mensagem que eu quero deixar para todos os paroquianos. Que nós possamos encontrar lá no mais íntimo da nossa alma a nossa principal vontade, que é a vontade de ser de Deus.
Que essa vontade nos leve a crescer cada vez mais, a buscar cada vez mais, assim como a Virgem Maria, no dogma da Assunção, que é a nossa padroeira, Nossa Senhora da Glória. A gente precisa entender que na Virgem Maria Deus inaugurou o que Ele sonha para todos aqueles que ele ama e que Ele criou, que é o céu. Nossa Senhora subiu aos céus, Deus inaugurou nela aquilo que Ele sonhou para todos nós. Que nós possamos ser uma igreja que caminha e que deseja a vida eterna junto de Deus, onde a felicidade é sem fim. e que deus abençoe essa paróquia e digo de antemão que todos podem contar com a minha oração, minha presença e com a minha amizade.
Pe. José Carlos Miranda Moura
Lema: “Quem vos chamou é fiel, e é Ele quem agirá” (1 Ts. 5, 24).
Santo de Maior devoção: Teresa D’ávila
Louvor preferido: Teu aberto coração (shalom)