Primeiro cego a se tornar padre em Portugal será ordenado neste domingo

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Braga, 12 Jul. 19 / 03:00 pm (ACI).- O Diácono Tiago Varanda, da Arquidiocese de Braga, será ordenado sacerdote no próximo domingo, 14 de julho, tornando-se assim o primeiro cego a receber a ordem do presbiterado em Portugal.


 “Há padres que cegaram com a velhice ou com alguma doença, mas tinham visão quando foram ordenados. O meu caso é diferente. Perdi a visão aos 16 anos e já estava cego quando fiz o meu percurso acadêmico e religioso”, assinalou o futuro sacerdote em recente entrevista ao site português ‘JN’.


Tiago Varanda tem 35 anos, é natural de Lamengo, mas viveu grande parte de sua vida em Viseu. Ele nasceu com glaucoma congênito, perdeu a visão parcialmente aos 8 anos e totalmente aos 16.


Antes de se tornar seminarista, formou-se em História, em Viseu, e deu aulas em diversas escolas.  Mas, começou a sentir o chamado ao sacerdócio e, aos 28 anos, ingressou no seminário, em Braga.


Durante sua formação, tanto em História como em Teologia, a maior dificuldade que teve foi encontrar literatura em braile, mas aos poucos foi superando. Além disso, ao longo de sua preparação de sete anos, foi também perdendo os receios que achava que podiam impedi-lo de se tornar sacerdote.


“Foi bastante exigente, e sei que não o conseguiria sozinho”, disse o futuro sacerdote ao meio ‘Igreja Viva’, da Arquidiocese de Braga. Nesse sentido, expressou sua gratidão à equipe formadora do seminário, bem como demais pessoas com as quais conviveu e que o ajudaram.


Além disso, Tiago Varanda reconheceu que durante seu tempo de seminário cresceu bastante e assinalou que aprendeu muito em relação à escuta. “Acho que é das coisas mais maravilhosas que levo daqui, posso dizer que aprendi a escutar no seminário. Acho que isso vai ser um grande instrumento para a minha vida sacerdotal”, sublinhou.


Nestes últimos dias o Diácono Tiago se dedicou também à preparação de sua ordenação sacerdotal, para a qual há “muitos pormenores” a cuidar. Entretanto, mesmo com tudo isso, contou que procura “manter um tempo de oração regular e de silêncio e de meditação, para poder, espiritualmente e interiormente, estar bem preparado para este grande momento e para o poder viver bem naquilo que é a sua essência, que é a sua relação com Deus”.


Mas, ao contrário dos outros dois diáconos que serão ordenados juntamente com ele, Tiago Varanda possui ainda alguns detalhes específicos para organizar, como “a preparação de toda a liturgia em braile, sobretudo dos próximos dias”. Assim, tem procurado “ter todas as orações e a celebração da eucaristia tudo pronto em braille, para que nada falte”.


Além disso, Tiago Varanda contou que tem ensaiado também. “Para quem vê é quase natural, se calhar, celebrar a Eucaristia, mas como eu não vejo – já vi, em outras épocas, e se calhar apercebi-me de outro gesto do padre, mas há muitos anos que eu não vejo e há muitos pormenores de que eu nem sequer lembro e de que nunca sequer me apercebi. Portanto, há muito pormenores na liturgia quanto a gestos que é preciso ensaiar e os colegas têm-me ajudado nisso”.

O ministério sacerdotal


O futuro sacerdote português afirmou que fará “um ministério como qualquer outro sacerdote, naquele que me couber, naturalmente”.


“Vou ser mais um entre tantos aqui na Diocese, procurarei colaborar com o que o senhor arcebispo me pedir e com aquilo que as pessoas precisarem e for necessário e me pedirem”, acrescentou.


Tiago Varanda reconheceu que, “exteriormente, é diferente” e, por isso, “muitas pessoas criam certas expectativas”. “é sempre um fato novo que surpreende ou espanta as pessoas. Mas, com o tempo, creio que isso se vai tornar normal e natural”.


Sobre a Santa Missa, ressaltou que “o rito vai ser igual a uma Eucaristia normal, não vai ser alterado nada”. O diferente será o fato de precisar ler em braile assim, em certos momentos quando ainda não souber de cor, precisará priorizar a leitura em vez de algum gesto.


“Por exemplo, há momentos em que nós abrimos os braços. Se já souber de cor, abro os braços, se não souber de cor vou ter que estar com as mãos ocupadas a ler. Vai haver partes assim, em vez de abrir os braços vou ter que ler em braile. Mas com o tempo acredito que em muitas coisas nem vou precisar do braile”, disse.


Além disso, detalhou que haverá alguém para ajudá-lo “para pegar no cálice, para pegar na patena” e que, “pelo menos nestes primeiras vezes, irá o orientando. “Alguns amigos têm me ajudado e que vão me ajudar nas primeiras celebrações e que vão estar perto de mim no altar para me irem aproximando, chegando o cálice, a patena, as várias alfaias litúrgicas necessárias. E em um ou outro momento em que possa ter que dar a comunhão, também me ajudarão nesse sentido. Mas vai ser tudo muito normal”, destacou.


Já em relação à sua fiel companheira, a cadela-guia Ibiza, contou que já está acostumada a permanecer na sacristia durante toda celebração litúrgica. “O ritmo litúrgico dela é ficar sossegadinha na sacristia! Ela louva a Deus na sacristia!”, brincou.


Por fim, o futuro Padre Tiago expressou que vê o seu sacerdócio com o objetivo de “ajudar as pessoas a encontrarem em Cristo o verdadeiro sentido da sua vida. Aquele que eu encontrei e que encantou e encanta a minha vida e que dá sentido à minha existência. Quero poder ajudar muita gente a que O descubra, porque encontrará nele também essa força, essa liberdade, esse sentido para a vida”.


Para Tiago Varanda, tudo o que já viveu o ajuda “a perceber que haverá dificuldades, que haverá desafios a enfrentar que não devem ser encarados como problemas. E pronto, com a graça de Deus, sei que Ele não me vai abandonar”.


“Portanto tenho muito esta esperança. O grande trabalho é Dele, é do Espírito Santo. Estamos nas mãos dele”, completou.