Da última vez que visitei Oslo, reuniam-se na capital norueguesa ministros do turismo de países escandinavos e bálticos para decidir: qual é a terra de Papai-noel?
Ministros da Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Islândia quebravam a cabeça para decidir como evitar propaganda enganosa junto ao público infantil. A criançada queixava-se: alguém mentia. Papai-noel não pode ter nascido -como sugeria a concorrência entre agências de turismo- na Lapônia e na Groenlândia, lugares distintos e distantes um do outro.
Não conheço o resultado da conferência de Oslo. Espero que, se não chegaram a um acordo, pelos menos a guerra, se vier, seja apenas de travesseiros. Mas é a Finlândia que melhor explora a figura do velho presenteador transportado no trenó puxado por renas. Assinala inclusive a sua terra natal: Rovaniemi, onde o Santa Park é, todo ele, tematizado por Papai-noel, lá denominado Santa Claus.
Sabemos todos que Papai-noel nasce, de fato, na fantasia das crianças. Acreditei nele até o dia em que me perguntei por que o Paulo, filho da empregada, não recebera tantos presentes de Natal como eu. O velhinho barbudo discrimina os pobres?
Malgrado tais incongruências, Papai-noel é uma figura lendária, reaviva a criança que trazemos em nós. E disputa a cena com o Menino Jesus, cujo aniversário é o motivo de festa e feriado de 25 de dezembro. Papai-noel enriquece os correios no período natalino, tantas as cartas que são remetidas a ele. Aliás, basta ir aos Correios e solicitar uma das cartas que crianças remetem ao velhinho barbudo. Com certeza o leitor fará a alegria de uma criança carente.
Não se sabe o dia exato em que Jesus nasceu. Supõem alguns estudiosos que em agosto, talvez no dia 7, entre os anos 6 ou 7 antes de Cristo. Sabe-se que morreu assassinado na cruz no ano 30. Portanto, com a idade de 36 ou 37 anos, e não 33, como se crê.
Tudo porque o monge Dionísio, que no século 6 calculou a era cristã, errou na data do nascimento de Cristo.
Até o século 3, o nascimento de Jesus era celebrado a 6 de janeiro. No século seguinte mudou, em muitos países, para 25 de dezembro, dia do solstício de inverno no hemisfério Norte, segundo o calendário juliano. Evocavam-se as festas de épocas remotas em homenagem à ressurreição das divindades solares.
Os cristãos apropriaram-se da data e rebatizaram a festa, para comemorar o nascimento Daquele que é “a luz do mundo”. Para não ficar de fora da festa, os não cristãos paganizaram o evento através da figura de Papai-noel, mais adequado aos interesses comerciais que marcam a data.
Vivemos hoje num mundo desencantado, porém ansioso de reencantamento. Carecemos de alegorias, mitos, lendas, paradigmas e crenças. O Natal é das raras ocasiões do ano em que nos damos o direito de trocar a razão pela fantasia, o trabalho pela festa, a avareza pela generosidade, centrados na comensalidade e no fervor religioso.
Pouco importa o lugar em que nasceu Papai-noel. Importa é que o Menino Jesus faça, de novo, presépio em nosso coração, impregnando-o de alegria e amor. Caso contrário, corremos o risco de reduzir o Natal à efusiva mercantilização patrocinada por Papai-noel. Isso é particularmente danoso para a (de)formação religiosa das crianças filhas de famílias cristãs, educadas sem referências bíblicas e práticas espirituais.
Lojas não saciam a nossa sede de Absoluto. Há que empreender uma viagem ao mais íntimo de si mesmo, para encontrar um Outro que nos habita. Esta é, com certeza, uma aventura bem mais fascinante do que ir até a Lapônia.
Contudo, as duas viagens custam caro. Uma, uns tantos dólares. Outra, a coragem de virar-se pelo avesso e despir-se de todo peso que nos impede de voar nas asas do Espírito.
Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros